Há dois dias, voltei a fazer algo que já não fazia há algum tempo. Tirando as curtas e raras saídas para o supermercado – e o abastecimento de hortícolas e ovos na casa dos meus pais -, a verdade é que não tenho saído de casa. E há mais tempo que a grande maioria das pessoas deste país. Eu, cagufas, me confesso. Logo no primeiro fim de semana de março, assim que começaram a surgir as primeiras notícias do impacto da Covid-19 em Portugal, optei por começar a ficar em casa.
Nada de extraordinário para quem já tinha a predileção pelo teletrabalho, reservando as idas ao escritório para o estritamente necessário. Só não estava habituada era a ter de ficar TANTO tempo em casa, a ter de trocar as saídas em reportagem pelas entrevistas telefónicas, a encarar o teletrabalho como uma obrigação e não como uma escolha.
Voltei a sair, esta semana, em reportagem. Um misto de alívio (finalmente, uma saída) e de preocupação (o destino era um dos hospitais onde se combate a Covid-19).
Curioso, como não reconheci a minha cidade. A cidade de todos os dias. Dos dias de trabalho e de lazer. A cidade a que gosto tanto de regressar depois das férias ou de uma viagem de trabalho. A cidade a que gosto de chamar casa.
Não estamos em guerra, não há sinal de bombardeamentos, não há estradas cortadas… mas, lá fora, há algo sinistro, difícil de explicar. Faltam pessoas nas ruas, faltam esplanadas, faltam carros a atravessar-se no meu caminho.
Acho que falta tudo e, ao mesmo tempo, não falta nada. A cidade está tranquila, com menos ruído e poluição do que nunca, e o sol continua a brilhar. Talvez o problema esteja em nós, cidadãos dos dias de hoje, que nos habituámos a tomar tudo por garantido e deixámos de saber o que é ser resiliente.
Não ouso negar que este é um momento de crise. Já senti vários dos seus efeitos, negativos e positivos. Velhas “amizades” que revelaram o seu lado mais egoísta e falso; e pessoas que nem eram tão próximas assim e que se revelaram a personificação do espírito de entre-ajuda e companheirismo. É essa a grande lição que os momentos de dificuldade têm para nos transmitir: ajudar a separar o trigo do joio, perceber o que é realmente importante na nossa vida.
Tornemo-nos, então, mais resilientes, mais amigos e mais simples.