Uma das maiores riquezas que a profissão de jornalista me tem trazido, ao longo destes anos, passa, precisamente, pela possibilidade de ter acesso a pessoas e histórias que fazem (ou fizeram) a diferença, personalidades e episódios que merecem ser dados a conhecer. Pequenos ou grandes feitos que, de alguma forma, ajudaram a mudar vidas ou mentalidades, com os quais tenho a felicidade de deparar-me, devido à minha profissão.
Muito recentemente, e por mero acaso, fui brindada com mais uma dessas fantásticas ocasionalidades. Numa reportagem dedicada a um bairro tradicional da cidade de Aveiro, “tropecei” na história de uma mulher a quem não faltou arrojo e perseverança: Antónia Rodrigues, nascida em 1580, em Aveiro. Diz-nos a história que esta valente mulher, que ficou conhecida como “Antónia de Aveiro”, fugiu de casa aos 15 anos e “foi, vestida de homem, combater gloriosamente os Mouros em Mazagão onde obrou prodígios de valor, conservando durante anos, com a sua virtude, o segredo do seu sexo”. Durante grande parte da sua vida assumiu a identidade de “António Rodrigues” e só acabou por revelar que era mulher quando queriam obrigá-lo(a) a casar-se com a filha de um fidalgo.
Ela não era o foco da reportagem, mas não consegui passar ao lado da sua história de vida. Procurei saber mais sobre os feitos desta aveirense que, ao que parece, se recusava a fazer os trabalhos domésticos que lhe estavam destinados, por ser mulher, e que cedo começou a manifestar o desejo de embarcar num desses navios que se encontravam ancorados em Lisboa. Não encontrei muitas coisas escritas sobre ela, mas deparei-me com o suficiente para a admirar.
Não se resignou, levou os seus objectivos e sonhos avante, e demonstrou grande valentia ao serviço da coroa portuguesa no Norte de África – diz-se que chegou a ser conhecido(a) como o “terror dos mouros”.
Numa época em que ainda continuamos a lutar e a debater a igualdade de género, pergunto-me como se sentiria a Antónia Rodrigues desse tempo na sociedade actual. É verdade que já teria a possibilidade de se alistar nas Forças Armadas sem ter de se disfarçar de homem – muito mal estaríamos se, passados cerca de 500 anos, os serviços militares ainda estivessem limitados ao sexo masculino -, mas, tenho a certeza, ainda se chocaria com algumas das lutas que (infelizmente) ainda temos de travar.
Diz-me, Antónia de Aveiro, como reagirias, em pleno ano de 2017, numa sociedade tão moderna, ao saber que um juiz desembargador (sim, leste bem) redigiu um acórdão onde atenua uma pena de violência doméstica pelo facto de a vítima, uma mulher, ter um amante. Conta-me lá, Antónia, como reagirias a essa afirmação de que “o adultério da mulher é uma conduta que a sociedade sempre condenou (são as mulheres honestas as primeiras a estigmatizar as adúlteras), e por isso [a sociedade] vê com alguma compreensão a violência exercida pelo homem traído, vexado e humilhado pela mulher”?
O que leva as pessoas a cometer adultério? Não será incompreensão da outra parte? Mesmo assim não será a violência a solução, muito menos por um juiz.