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Nem sequer tive saudades tuas

 Cid P. Valente

Quando crescemos com tudo nada nos faz falta. A maioria das crianças de hoje não tem a capacidade de imaginação de outros tempos. Não brincam ao pião como antes, nem saltam à corda, limitam-se aos jogos eletrónicos de consolas e computadores. Alguns até engraçados mas desprovidos de qualquer nuance que apele à inteligência ou convívio saudável entre elas. Passam horas agarradas a computadores, em redes sociais, afastando-se cada vez mais do que está perto, do seio familiar, fundamental a um crescimento equilibrado e alicerce para a vida.
Bem sei que o tempo é outro e tudo mudou, que a minha infância e adolescência foram nas décadas de 70 e 80 e que hoje nada é igual. Até o tempo é outro e a nossa maior preocupação enquanto pais é para que nada lhes falte. Por outro lado, incutimos-lhes o espírito de competitividade e queremos prepará-las para a selva em que o mundo se encontra, onde só os que são muito bons vencem e ainda esses passam um mau bocado. É tudo muito rápido, até os dias passam mais depressa e o tempo escasseia para o mais importante…os afetos e o diálogo.
A comunicação entre pais e filhos ficou facilitada no que se refere a tabus outrora defendidos, mas na maioria dos casos os grandes valores da vida deixaram de ser a prioridade para uma educação sólida e aberta ao mundo. Esforçamo-nos e damos o nosso melhor, mas isso não basta, quer queiramos ou não, as referências exteriores são a maioria, passam horas nos colégios ou escolas sob a tutela de estranhos, que apesar de professores nem sempre estão preparados ou preocupados com a educação e valores a transmitir, há programas a cumprir, metas impostas pelo Ministério da Educação e o tempo que passam em casa é demasiado fugaz para o tanto que temos a fazer.
Sem querer somos nós que os empurramos para o mundo virtual, onde mergulham ávidos de aventura e adrenalina preenchendo desta forma o vazio que sentem. Nós adultos sofremos pressões diariamente e nem sempre é fácil calibrar a vida pessoal com a profissional, os nossos fracassos bem como a conjuntura atual no que diz respeito à economia mundial, a decomposição universal de um mundo cada vez mais insano. Tudo isto cria-nos fragilidades e distrações por vezes difíceis de contornar e impede de nos libertarmos para o que é realmente importante: os nossos filhos.
Educar uma criança ou adolescente nos dias de hoje é um processo de grande complexidade que requer acima de tudo uma profunda lucidez para avaliar o sentido da vida.
Torna-se urgente parar, selecionar as nossas prioridades e entregarmo-nos ao seu crescimento como o focos principal da nossa existência, afinal somos nós os pais no presente, cabe-nos a tarefa de lhes ensinar o mais importante da vida… humildade, educação, persistência, responsabilidade, generosidade, respeito pelo próximo, tolerância e acima de tudo grandeza de alma. Amá-los sim mas com regras.
Os filhos não obedecem necessariamente aos pais. Eles copiam-nos desde tenra idade e é nossa responsabilidade darmos o exemplo. O que não cresce decresce, até o arbusto selvagem mais resistente murcha sem rega.

“Nem sequer tive saudades tuas!” Quantos de nós já ouvimos esta afirmação proferida, maquiavelicamente, por estes pequenos seres a quem demos vida e que mudaram a nossa?

*Este artigo foi escrito ao abrigo do novo Acordo Ortográfico

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